sábado, 5 de maio de 2007

"Um lar não é um asilo!"


Num país envelhecido como Portugal e onde os idosos se sentem cada vez mais um fardo para a família e para a sociedade, a ida para o lar parece ser uma realidade cada vez mais recorrente. Se há trinta anos atrás a palavra lar ainda era facilmente confundida com a palavra asilo, actualmente é do senso comum que são os lares quem presta auxílio aos idosos quando eles mais precisam. É neste sentido que a Fundação Elísio Ferreira Afonso tem orientado todos os seus esforços, sendo hoje considerada um marco importante na história do Avelal, uma vila da Beira Alta.
Consta que o criador da fundação, o comendador Elísio Ferreira Afonso, nasceu a 19 de Agosto de 1889, na freguesia de Avelal, concelho de Sátão e distrito de Viseu. Órfão, embarcou ainda jovem para o Rio de Janeiro, onde terá enriquecido. Tendo sempre em mente o regresso às origens, o seu grande sonho era fazer do Avelal uma das terras mais importantes da zona. De volta a Portugal, começou por construir um grande palacete (que funciona actualmente como lar). Posteriormente, mandou construir uma escola primária e uma cantina, uma igreja e residência paroquial, um hospital, uma estação de correios, o posto da Guarda Nacional Republicana, um bairro de casas e o cemitério, onde fez questão de ficar sepultado. Criou também a Feira Anual do Avelal, que junta todos os anos milhares de pessoas. E foi ainda o responsável pelo abastecimento de água e pela electrificação da vila. Foi assim criada a Fundação Elísio Ferreira Afonso a 22 de Novembro de 1957 no Avelal, terra natal do comendador.
Antes da sua morte, a 11 de Outubro de 1968, Elísio Ferreira Afonso fez questão de doar por testamento património imóvel e propriedades rústicas à fundação que ele próprio criou em vida.
“O objectivo inicial era criar um hospital regional que deveria prestar assistência médica a todas as pessoas do concelho!”, recorda Silvério Inácio, actual responsável pelos dois lares em funcionamento no Avelal e com capacidade para 140 idosos na totalidade.
Com o passar dos anos, foram-se sucedendo várias alterações estatutárias e a Fundação Elísio Ferreira Afonso, apesar de ter mantido o mesmo nome, tornou-se uma instituição particular de solidariedade social que tem por objectivo “o apoio à infância e juventude, bem como à velhice, invalidez e, eventualmente, o apoio em situações de falta de meios de subsistência ou incapacidade para trabalhar”, esclarece o responsável.
“Há 30 anos, quando aqui cheguei, o hospital que a fundação tinha construído já estava desactivado e destruído, mas eu comecei a restaurá-lo, ainda que com muitas dificuldades, e consegui recuperar o edifício, fazendo dele um lar. O Estado nunca interveio. E o dinheiro da doação, esse nunca o vi! Alguém o gastou!”, afirma Silvério, ao mesmo tempo que esboça um sorriso.
Por outro lado, o responsável reconhece o empenho e dedicação de toda a equipa de trabalho, e afirma: “Temos conseguido superar as dificuldades. Mas é preciso, evidentemente, muito amor à causa. A maioria dos funcionários entra aqui de manhã cedo e sai já de noite. Penso até que, com o apoio do Estado, a fundação podia voltar a ter algum serviço de saúde!”.
Silvério fala-nos também de um acordo de cooperação com a Segurança Social, mas que só cobre 85 utentes do lar. “Nunca conseguimos que este apoio fosse aplicado em função do número de idosos. Assim, e tendo por base os valores de reforma, temos de fazer uma “ginástica” muito grande para pagar as contas.
Maria de Lurdes de Sousa, de 81 anos, uma das utentes, entusiasmada com a nossa presença no lar, fez questão de nos acompanhar durante toda a reportagem, para além de nos contar as razões que a levaram a deixar a casa do filho há cerca de um ano atrás. “Na altura adoeci, e para não dar mais trabalho ao meu filho e à minha nora, decidi vi para o lar do Avelal… e não me arrependo porque gosto imenso! Confesso que se tivesse possibilidades ficava na minha própria casa, mas, como não tenho, fico aqui, onde são sempre atenciosos comigo!”, afirma, peremptoriamente.
Confrontado com a ideia de que “não há nada como estarmos na nossa casinha!”, Silvério defende que a realidade é bem diferente porque “estes idosos quando chegam aqui é porque não têm condições para estarem sozinhos. Se não viverem com os filhos, quem é que lhes dá as refeições ou a assistência médica? Quem é que os ajuda a cuidar da sua higiene pessoal? Muitos deles chegam aqui e já não se conseguem movimentar!”, acrescenta. Mesmo o apoio ao domicílio não é a melhor opção na óptica de Silvério, que vê no lar uma alternativa diferente para os idosos.
Referindo-se ainda aos utentes, o responsável acrescenta: “São idosos de uma zona rural, maioritariamente do sexo feminino, e a generalidade tem uma higiene pessoal muito rudimentar, pelo que tratar da higiene deles é muito difícil! Muitos deles viram pela primeira vez uma casa-de-banho aqui no lar! E os custos de manutenção são muito elevados porque eles destroem muito!”.
Nem o facto de ter enviuvado e de estar inválida fez com que Lucinda de Almeida, de 76 anos, deixasse de sorrir ou perdesse a alegria de viver. É com grande satisfação que fala do lar em geral, das funcionárias e das refeições. “Nunca nos falta nada aqui, a não ser a família, mas a minha vem visitar-me muitas vezes! Também é muito bom quando vem cá alguém fazer teatros, dizer missas, rezar o terço”, refere, entusiamada.
Descontente por não poder proporcionar mais actividades lúdicas aos idosos devido às limitações em termos de espaço, Silvério revela-nos alguns projectos em curso. “Aqui ao lado está a ser construído um salão polivalente para actividades diversas: culturais, recreativas e, quiçá, para sessões de fisioterapia. Já adquirimos também um terreno onde gostaríamos de construir umas piscinas para que os idosos, apoiados por monitores, possam desfrutar de hidromassagens”, esclarece. Mostrando-se aberto e receptivo a todas e quaisquer iniciativas de grupos, Silvério confessa, no entanto, que “até mesmo para o rancho que aqui vem periodicamente é complicado porque o espaço é reduzido. Mas, neste salão em construção a fundação já vai poder realizar mais actividades, nomeadamente, a comemoração dos seus cinquenta anos de existência”.
Maria de Almeida Ferreira, de 81 anos, trabalhou toda a vida no campo. Após ter enviuvado, problemas pulmonares fizeram com que percebesse que não podia continuar a viver sozinha. É com alguma nostalgia que nos fala da sua chegada ao lar. “No início chorei muito, mas já estou aqui há dez anos e tenho consciência de que se estivesse em casa sozinha já tinha morrido!”, confessa. É também com alguma mágoa que nos fala das poucas visitas que recebe, recordando que “as meninas que [criou], às quais [deixou] o [seu] testamento nunca [lhe] fazem visitas”.
Relativamente à assistência médica, Silvério está satisfeito. “Temos aqui ao lado o centro de saúde e a farmácia. E também contamos com a colaboração da médica. Alexandra Vaz, que vem aos dois lares algumas horas por semana, e também em regime de chamada. Temos ainda um enfermeiro por avença”, explicita. Sempre disposto a colaborar com as escolas, Silvério afirma que “o lar está prestes a receber cerca de 40 estagiários do 2º ano do Instituto Piaget”.
Atento ao estado de saúde dos utentes, o enfermeiro Manuel Almeida falou-nos dos idosos acamados que aqui vivem e “precisavam quase só para si de uma docente!”. Relativamente à receptividade perante os tratamentos, o enfermeiro confessou-nos que, se por um lado alguns idosos mantêm sempre aquela esperança de que tomam uns remédios e ficam melhores…também os há que “fogem a sete pés!”.
Assumindo que, muitas vezes, os idosos chegam ao lar por se sentirem “um fardo”, Silvério garante que “é impossível entrar aqui alguém contrafeito porque há todo um processo de adaptação, que tem de ser respeitado, e não há pressões!”
A docente Clara Santos explicita que a integração dos idosos depende muito da sua saúde mental e, claro, também do facto de “estarem aqui de livre vontade ou não. Há casos complicados porque muitas vezes a família não lhes dão atenção!”, declara.
Maria Albina Martins, funcionária, defende que “o melhor é sempre estarmos junto da família!”. Todavia, as quezílias familiares parecem estar na origem de muitas das idas para o lar. Foi o caso de Laura Correia da Silva, de 80 anos, que, depois de se ter zangado com uma irmã, resolveu vir para a Fundação Elísio Ferreira Afonso, onde, afirma: “Todos me tratam bem e está sempre tudo muito limpinho!”. Presa às memórias do tempo em que trabalhava como costureira e em casas particulares, Laura falou-nos também das saudades que tem da família, que a vai visitando; e do seu medo da morte, confessando, visivelmente emocionada, que “só não [quer] morrer sem conhecer os netinhos”.
A ida dos filhos para outro país em busca de uma vida melhor parece ser mais um dos factores que “empurra” os nossos idosos para os lares. Temos o caso de António Costa, de 83 anos, e da sua esposa, Prazeres Pinto, de 82 anos, que, após alguma insistência por parte dos filhos, emigrados na Suiça, acabaram por entrar para o lar do Avelal. “Já estávamos velhos para ficarmos sozinhos em casa! Ainda contratámos uma senhora para cuidar de nós, mas não merecia o dinheiro que lhe pagávamos. Por outro lado, aqui não nos podemos queixar de nada: temos sempre roupa lavada, refeições diferentes todos os dias, medicamentos a horas…E também temos os telefonemas e as visitas da família, que nos deixam sempre felizes”, confessa, tentando conter as lágrimas.
Nascido na Beira, Saúl da Silva Magalhães, de 80 anos, viveu sempre em dificuldades, tendo trabalhado na agricultura em Portugal e no comércio no Brasil. Paralisado de uma perna há já sete anos e viúvo há três, contou-nos que, após um desentendimento com uma filha, o seu estado de saúde complicou-se e precisava de assistência médica constantemente. Foi, então, que chegou ao lar do Avelal, onde, confessa: “há pessoas muito diferentes mas todas se entendem, melhor ou pior. E…quando a gente gosta menos de uma pessoa ou de outra, a gente foge!”.
Apesar de os idosos serem muitos e de os apoios financeiros serem inferiores ao que seria de esperar, a Fundação Elísio Ferreira Afonso, prestes a comemorar cinquenta anos de existência, parece conseguir responder às necessidades de todos os idosos que batem à sua porta com a simplicidade de um lar do meio rural, mas com a grandeza de uma fundação criada a pensar no apoio ao próximo.
Silvério Inácio recorda com nostalgia a abertura do lar há 30 anos e reconhece que a sua “luta” valeu a pena, afirmando que, “actualmente, muitos idosos já vão para o lar por gosto e já não sentem quaisquer preconceitos como antigamente. Já sabem que um lar não é um asilo e que a nossa função é auxiliá-los, independentemente dos motivos que os trouxeram até nós”, conclui.

3 comentários:

  1. Foi com muito agrado que vejo uma noticia sobre o Avelal, isto porque, para além de dignificar o trabalho realizado num lar de terceira idade, valoriza em muito a minha terra...
    Gostaria de acrescentar que Avelal(apesar das suas potencialidades) ainda não é, nem nunca será uma Vila...ainda é uma linda Aldeia na Beira Alta!!!
    Quem sabe um dia se as pessoas lutarem por aquilo que têm o Avelal venha a ser uma linda vila....

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  2. Obrigada pelo comentário, eli. Peço desculpa pelo lapso =P

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  3. Olá, eu gostaria de saber o endereço de correio tradicional do Lar do Avelal para enviar uma carta a uma prima que está vivendo lá. Obrigada.

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Comentários do Arco da Velha