sexta-feira, 25 de maio de 2007

Próxima paragem: Cidade de todos os sonhos


Foi há mais de trinta anos que Maria conheceu aquele que foi o único e grande amor da sua vida.
- Maria, meu amor, tens mesmo a certeza de que esta é a tua última palavra? – questiona Simão, desesperado.
- Desculpa, mas a minha vida não é aqui! Eu quero uma vida melhor e tu não me podes dar isso! Eu quero ser alguém, Simão...E a minha decisão já está tomada.
Entre beijos e juras de amor, os dois apaixonados despedem-se até que se ouve: “Senhores passageiros, vai dar entrada na linha número dois um comboio com destino a Lisboa”. Era o comboio que ia levar Maria da sua aldeia para a “cidade de todos os sonhos”.
No display podia ler-se: 15 de Março de 1967, 10 horas e 14 minutos.
Enquanto isso, Simão, lavado em lágrimas, coloca-se de cócoras e procura apressadamente algo dentro da mala que trazia consigo...
Mas Maria não espera sequer que ele se levante e corre desenfreadamente, entrando no comboio. Talvez não gostasse de despedidas ou tivesse medo de vacilar caso o seu olhar se cruzasse mais uma vez com o de Simão.
As portas do comboio fecham e, Maria, encostada ao vidro, avista o seu amor a correr na plataforma, acenando-lhe como se algo tivesse ficado por dizer, mas esta desvia o olhar.
Passaram-se anos e hoje Maria é a mulher que deambula pela mesma estação onde outrora estivera com o seu amado. Dobrando e desdobrando um envelope que tem em mãos, olha em volta e tudo está diferente. Somente a sua imagem, reflectida no vidro de um comboio, continua igual, apesar de envelhecida. Maria continua pobre. Os sonhos que outrora a fizeram abdicar do seu amor não se cumpriram. Todavia, o orgulho falou mais alto, e Maria teve vergonha de voltar à sua terra Natal de “mãos a abanar”. Até hoje.
Entre sonhos traídos e ambições falhadas, Maria recorda aquele dia em que decidiu mudar a sua vida, em que deixou Simão para rumar a Lisboa sem olhar para trás.
De repente, os seus olhos cruzam-se com os de uma jovem que caminhava de mala às costas, de um lado para o outro....
Era Inácia, uma jovem que ia partir nesse mesmo dia para Lisboa. Inácia tinha a ambição no olhar – a mesma ambição que Maria tivera há trinta anós atrás.
Após algumas hesitações, Maria esboça um sorriso e dirige-se à jovem, à medida que vai abrindo o envelope....
- Será que a menina pode ver o que diz aqui neste caderno?
- Ermmm, posso...– reponde Inácia, franzindo o sobrolho.
Era mais do que um caderno. Eram as últimas palavras de Simão dirigidas à mulher que lhe partiu o coração.
- Sabe, menina, eu não sei ler... Recebi ontem um telefonema do notário e vim para cá... Entregaram-me este envelope e disseram-me apenas que era da parte de Simão Rodrigues. Mas não sei do que se trata. Será que me podia ler algumas passagens?
-Vou só ler-lhe esta página com letras gordas porque não tenho tempo! O meu comboio não tarda!

“Sei, meu amor, que não voltarás jamais. Desculpa por não ser forte como tu. Desculpa não ir contigo. Desculpa não te poder dar mais do que a minha vida . Sem ti não faz sentido continuar ”.

- ...Bem, e aqui no envelope diz apenas:

“Simão Rodrigues da Silva, 8 de Abril de 1948 – 16 de Março de 1967”...

Maria entra como que numa viagem ao passado. De olhos fechados, vêm-lhe à memória aqueles instantes em que Simão procurava algo dentro da mala, em que ela corria para o comboio, em que ficou sem saber o que ele lhe queria dizer...
O caderno que Maria colocara nas mãos daquela estranha era a única coisa que restava de um amor que não fora suficientemente forte para vencer.
Durante todos estes anos Maria fora procurada pelo notário para lhe entregar aquele caderno que Simão lhe deixara em testamento...
Quando Inácia, apreensiva, olha para Maria, observa como o seu semblante mudara. A senhora sorridente, que se dirigira à bela jovem, estava agora desfeita em lágrimas. Só agora ficara a saber que Simão desistira de viver ao vê-la partir para Lisboa há 30 anos.
Quando abre os olhos, Maria olha em volta... Encontra-se agora sozinha onde estivera pela última vez com Simão. Aos seus pés estava o caderno...Talvez Inácia o tivesse deixado cair...
Neste mesmo instante...o comboio com destino a Lisboa arranca e Maria procura Inácia...até que avista uma mão levantada a dizer “adeus”.
A ambição falou mais alto também para Inácia.
Nota: Aqui está o meu conto para Técnicas e Expressão do Português =P

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